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Marc Ferrez, o pioneiro da fotografia no Brasil

24/01/2020 Clara Arreguy Arte e Música

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D. Pedro de Alcântara, D. Antônio Gastão e D. Luís Maria em carroça puxada por carneiros. (Crédito: Marc Ferrez/ Acervo IMS). 

 

É sempre bom redimensionar a importância do pioneiro da arte fotográfica num país em que pontificam grandes profissionais, com trabalhos reconhecidos internacionalmente. Estamos falando de Marc Ferrez, o primeiro fotógrafo brasileiro a obter reconhecimento tanto por sua atuação na construção de registros imagéticos para a memória histórica nacional quanto pela contribuição no desenvolvimento de tecnologias e linguagens. Para celebrar e dar visibilidade a um nome maiúsculo como o de Ferrez, o Instituto Moreira Salles (IMS) faz circular por suas unidades em todo o país a exposição “Território e Imagem”, que chegou ao Rio de Janeiro em dezembro e pode ser visitada até 15 de março.

Marc Ferrez era filho de uma família que veio para o Brasil no início do século XIX com a Missão Artística Francesa, liderada pelo pintor Jean Baptiste Debret. Nasceu em 1843 na então capital do Império. Com a morte dos pais, foi criado entre o Rio de Janeiro e Paris, onde provavelmente tomou contato com a fotografia, que desenvolveu ao longo de todo aquele século, ajudando a inventar e desenvolver equipamentos capazes de realizar imagens como as grandes paisagens de sua cidade natal, que lhe deram notoriedade e prêmios. Ganhou em 1876 sua primeira medalha de ouro internacional na Exposição Universal da Filadélfia (EUA), com uma fotografia de paisagem do Rio que depois criticaria pela precariedade técnica.

Ao longo de todo aquele século, fez parte de missões científicas e artísticas, fotografou para a Marinha, assinou os primeiros registros de várias etnias indígenas, como os Bororo, viajou de norte a sul do país, auferindo uma coleção de milhões de negativos. Também empreendeu, abrindo uma loja no Rio de Janeiro. Chegou a perder todo o acervo num incêndio, mas aos poucos reconstruiu a história que vinha ajudando a escrever.

Grande parte desse acervo de negativos de vidro e obras produzidas por Marc Ferrez pertence hoje ao Instituto Moreira Salles, que o adquiriu, em 1998, de seu neto, o pesquisador Gilberto Ferrez. A coleção possui mais de 15 mil originais, leva o nome do neto e está disponível online, pelo site do IMS. Uma seleção de 300 delas integra a mostra “Território e Imagem”, focando justamente esse viés geográfico e antropológico presente no imenso universo registrado pelo fotógrafo.

Uma curiosidade em torno da vida e da trajetória de Marc Ferrez é que ele anteviu também a força do cinema logo no início do desenvolvimento dessa linguagem artística. Produziu filmes como “Nhô Anastácio chegou de viagem”, considerado a primeira comédia brasileira para a tela grande; foi dono da terceira sala de cinema do Rio de Janeiro e sócio dos irmãos Lumière, a quem representava no Brasil; e ajudou a derrubar a taxação de películas e outros materiais usados na produção cinematográfica, a exemplo do que já ocorria com a fotográfica.

Marc Ferrez, assim, deu início a uma linhagem de importantes artistas a se expressarem nessa linguagem, como veremos a seguir.

 

MARC FERRREZ – TERRITÓRIO E IMAGEM

Exposição de 300 obras do acervo da Coleção Gilberto Ferrez

IMS Rio – Galeria principal – R. Marquês de São Vicente, 476, Gávea, Rio de Janeiro/RJ

De 7/12/2019 a 15/3/2020 – Terça a domingo e feriados (exceto segundas-feiras), das 11h às 20h

Entrada franca

 

Homem e natureza

Na linhagem de Marc Ferrez, o Brasil coleciona grandes nomes entre os fotógrafos de reconhecimento nacional e internacional. O mais famoso deles, atualmente, é o mineiro Sebastião Salgado, de 76 anos, que trocou uma carreira de sucesso como economista em órgão internacional pela vivência da paixão dupla pela fotografia e pelo meio ambiente. Aliando as duas linhas temáticas, tem promovido séries de trabalhos como “Terra”, “Êxodos” e “Gênesis”, em que registra e denuncia amorosamente a destruição de culturas e biomas. O resultado são livros, filmes, exposições e dezenas de prêmios que dão visibilidade às causas e que, ao mesmo tempo, o cacifam como interlocutor na questão ambiental. 

O melhor exemplo é a ação que promove, em parceria com a mulher, Lélia, na fazenda degradada da família, em Aimorés (MG). O projeto de reflorestamento, produção sustentável e educação ambiental tornou-se referência mundial. 

Salgado atuou também como freelancer das principais agências fotográficas internacionais e junto ao jornal New York Times, quando foi o único a registrar o atentado sofrido pelo então presidente dos Estados Unidos, Ronald Reagan, em 1981, o que o tornou celebridade mundial.

 

Renascimento africano

Nascido em Pernambuco e radicado inicialmente na Bahia, o fotógrafo e publicitário Sérgio Guerra, de 58 anos, começou um trabalho com os angolanos no final dos anos noventa, o que acabou levando-o para a África pouco após o término da guerra que durante décadas devastou Angola. Em 2000, a convite do governo daquele país, estabeleceu-se na capital, Luanda, para onde levou, além do trabalho fotográfico, também o publicitário e a produção cultural. Sua produtora, a Maianga, passou a fomentar outras expressões artísticas, como a música, viabilizando e difundindo discos, shows e festivais, além de incentivar o intercâmbio de artistas angolanos e brasileiros. 

Em suas fotos, Guerra registra povos, culturas e movimentos do Brasil e da África. Entre os livros, destacam-se “Duas ou três coisas que vi em Angola”, “Salvador negroamor”, “Parangolá” e “Hereros-Angola” – esse último originou um de seus quatro documentários cinematográficos.

 

Ativista ambiental 

Com cinquenta anos de atuação como fotógrafo de natureza, o catarinense Araquém Alcântara, de 69 anos, tornou-se um dos nomes mais expressivos na defesa do meio ambiente por intermédio da arte. Ao longo das últimas décadas, ele tem usado seu trabalho para registrar e defender os biomas brasileiros, fotografando todos os parques nacionais do país, levando a Amazônia para o mundo e tornando-se, dessa forma, inspiração para as novas gerações. São até agora cinquenta e quatro livros, setenta e cinco exposições e trinta e dois prêmios. Com isso, usando a beleza e a plasticidade da fotografia para atuar como ativista ambiental, Araquém consagrou-se nacional e internacionalmente. 

“Terra Brasil”, “Mar de Dentro” e Sertão sem Fim” são alguns dos títulos de seus trabalhos que obtiveram prêmios expressivos e integram acervos de museus e galerias pelo mundo. “Amazônia” ganhou o Jabuti destinado a livros de arte em 2006. 

 

Fotojornalismo na veia 

Único dos fotógrafos desta matéria a vir do fotojornalismo, o paulista Pedro Martinelli, de 70 anos, tem em comum com Salgado, Guerra e Alcântara o trabalho com aspectos humanos e ambientais. Ele foi o primeiro a registrar o contato inaugural entre o “homem branco” e os indígenas da etnia Panará (índios gigantes), na Amazônia, no início dos anos setenta do século passado. Esse é o tema de um dos seus livros; igualmente importantes são “Mulheres da Amazônia”, “Amazônia, o Povo das Águas” e “Gente x Mato”, entre outras publicações que renderam mostras e vice-versa. 

Como repórter fotográfico, Martinelli trabalhou nas redações de diversos veículos, entre os quais o jornal O Globo e a revista Veja, da qual foi editor, além de assessorias de governos e outros meios. Participou da cobertura da guerra da Nicarágua, das Copas do Mundo de futebol entre 1982 e 1998, dos Jogos Olímpicos de Los Angeles e de Seul e das cerimônias fúnebres dos papas Paulo VI e João Paulo I. 

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Clara Arreguy

Jornalista e escritora. Nascida em 1959 em Belo Horizonte, mora em Brasília desde 2004. Trabalhou nos jornais Estado de Minas e Correio Braziliense, na revista Veja Brasília, em assessorias de imprensa de empresas e governos. Tem vinte e dois livros publicados e quatro no prelo. Desde 2006 assina um blog sobre literatura no endereço clara-arreguy.blogspot.com. É vice-presidente do Instituto Cultural Casa de Autores e integra o movimento Mulherio das Letras. Foto: Eugênia Alvarez