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A CENA MUDA

06/12/2020 Eveline de Abreu Cinema e Teatro

Algumas histórias de obras e diretores da segunda fase do Cinema Novo, acompanhadas de filmes da época, para ver, rever e ver de novo

Em 1964, o Cinema Novo inaugura a segunda fase, que se estende até 1968. Com o Brasil tomado de assalto pela deposição de João Goulart e a instauração da famigerada ditadura militar, a cena muda de figura: o ideário democrático de equidade social do movimento perdeu forças, enquanto filmes históricos e patrióticos medíocres pipocavam à farta e à larga. Sob a mordaça do Conselho Superior de Censura, a tal estética da fome, propalada por Glauber Rocha, teve que se encolher contrariada. E os realizadores passaram a cogitar a produção de filmes mais rentáveis e assim, quem sabe, cativar um público mais numeroso.

 

VEJA QUE COISA MAIS LINDA, MAIS CHEIA DE GRAÇA

Foi, então, que, em 1967, Garota de Ipanema, de Leon Hirszman, eclodiu na telona da sala escura. O filme, que toma de empréstimo o título da canção de Tom Jobim e Vinicius de Moraes, que, por sua vez, se inspirou em Helô Pinheiro, uma modelo carioca que frequentava a  Praia de Ipanema àquela época.

Márcia Rodrigues, uma das musas do Cinema Novo, manteve o título de Garota de Ipanema, depois de estrelar o filme homônimo. 

Imagem: Correio da Manhã. Fonte: Wikimedia Commons. 

 

 

Se a película foi inscrita – ao lado de Todas as Mulheres do Mundo, de Domingos de Oliveira – no rol água com açúcar da segunda fase do Movimento Cinemanovista, há quem diga, como Carlos Eduardo Pinto de Pinto, no artigo Entre a Política e o Prazer: ditadura, arte e boêmia através do filme Garota de Ipanema (Leon Hirszman, 1967), que, nela, é possível pinçar a dicotomia política-prazer durante o período da ditadura militar, ao recontar o dia a dia de uma garota da classe média carioca, moradora de Ipanema, bairro boêmio e despolitizado, e sua ligação com a política em tempos de tirania e autoritarismo. 

 

 

O “ELDORADO” DE UMA TERRA EM TRANSE

No entanto e da mesma época, o Cinema Novo mergulhou de cabeça na palpitante discussão em torno dos dilemas da América Latina diante dos países do Primeiro Mundo. 

Foi quando Terra em Transe, de Glauber Rocha, chegou às telas como, praticamente, pioneiro em ilustrar essas metamorfoses, o que lhe rendeu o cerceamento pesado da censura. A obra não apenas faz a alegoria do Brasil de então como, de resto, dos países da América Latina que se inseriam no círculo de ditaduras verdes-olivas. Bom lembrar que a obra, do limiar da segunda fase do Cinema Novo, fustiga os ânimos do artístico Tropicalismo. 

 

Cartaz de Terra em Transe Fonte: Cinemateca Brasileira. 

 

No mesmo ano de 1967, no Festival de Cannes, o filme foi laureado pela Fédération internationale de la presse cinématographique (Fipresci), que agrupa cerca de 300 críticos cinematográficos do mundo inteiro, fundada no ano de 1930, em Bruxelas.  

 

Contracenando ao lado de um elenco de primeiríssima linha - formado por Glauce Rocha, José Lewgoy, Paulo Autran e Paulo Gracindo  – Jardel Filho, é o ator protagonista que magistralmente dá vida à personagem Paulo Martins, um intelectual, dublê de joranlista e poeta que, na lendária Eldorado, se vê gravemente ferido durando o golpe de Estado que põe por terra seus ideais revolucionários. Imagem: Correio da Manhã. Fonte: Wikimedia Commons.

 

No entanto, é O Desafio, de Paulo César Saraceni, o pioneiro desta segunda fase a tratar franca e abertamente da situação política do Brasil, no período imediatamente posterior ao golpe militar. O filme recebeu um cala-boca da censura por muitos meses e foi proibido de figurar na programação do Festival Internacional do Rio, em 1965. Outras obras representativas do período foram Opinião Pública, o primeiro longa-metragem de Arnaldo Jabor, A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos, inspirado no conto de mesmo nome, de Guimarães Rosa, e O Bravo Guerreiro, de Gustavo Dahl, com a irrepreensível atuação de Paulo César Pereio, Mário Lago, Ítalo Rossi e Milton Gonçalves.

 

A DISTRIBUIDORA DA TURMA DO CINEMA NOVO

Boa coisa foi a criação da Distribuidora do Cinema Novo – a Difilm –  capitaneada por Roberto Farias, ao lado de Glauber Rocha e Luis Carlos Barreto, para atenuar as vicissitudes da produção, pois, o que excedia em vontade e empenho, faltava em apuro técnico. E isso, sabidamente, atravancava o projeto de conquistar um mais variado número de espectadores. 

Ora, se os temas privilegiados pelo Cinema Novo – democracia, liberdade, equidade social – não eram usualmente o que o atraía o público às salas de exibição, certamente, a produção cinemanovista não podia prescindir da realização de películas visualmente palatáveis. Isso, sem deixar de levar em conta a dificuldade de sua distribuição num mercado dominado por filmes estadunidenses, para o que a Difilm veio a calhar como uma luva. 

 

PELÍCULAS E DIRETORES EMBLEMÁTICOS DA SEGUNDA FASE

. 1965 – A Falecida, de Leon Hirszman

. 1965 – Menino de Engenho, de Walter Lima Júnior

. 1965 – O Desafio, de Paulo Cesar Saraceni

. 1965 – O Padre e a Moça, de Joaquim Pedro de Andrade

. 1965 – A Hora e a Vez de Augusto Matraga, de Roberto Santos

. 1967 – Terra em Transe, de Glauber Rocha

. 1967 – Garota de Ipanema, de Leon Hirszman

. 1968 – Fome de Amor, de Nélson Pereira dos Santos

. 1968 – O Bandido da Luz Vermelha, de Rogério Sganzerla

. 1968 – O Bravo Guerreiro, de Gustavo Dahl

 

A SEQUÊNCIA DOS TEXTOS SOBRE ESSA TEMÁTICA: 

1- O Cinema Novo do Brasil

2- Cineastas e Filmes da Primeira Fase do Cinema Novo

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Eveline de Abreu

Publicitária e redatora. Descobriu a vocação para ensinar quando dirigia a assessoria de comunicação de um órgão público e precisou treinar e capacitar estudantes de jornalismo. Desde 2007 na Europa, adaptou esta experiência exitosa à versão digital e fundou a Incubadora de Escritores – serviço on-line de análise e parecer, apoio no desenvolvimento de textos, capacitação e revisão de conteúdo. A nostalgia do Brasil a levou a cozinhar e anotar receitas, na tentativa de compensar pela boca a saudade que lhe invadia o coração. O resultado tem sido a culinária natal, reinventada com produtos locais, e textos de dar água na boca.