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A LONGA VIAGEM DA CASTANHA-DA-AMAZÔNIA

01/04/2020 Yana Marull Meio Ambiente e Sustentabilidade

Castanheira.  (Foto: Yana Marull). 

 

A castanheira é uma das árvores símbolo da Amazônia e suas deliciosas amêndoas são conhecidas com vários nome­s, castanha-do-brasil, castanha-do-pará, castanha-da-amazônia.

Há um aspecto da globalização que sempre me surpreende: encontrar um pedacinho da Amazônia pelo mundo. Às vezes tão fora de lugar que muitas pessoas nem se dão conta da sua origem. Pensei nisso outro dia na hora do lanche, na cidade onde moro há pouco tempo, Berlim, enquanto apreciava umas deliciosas castanhas-do-brasil provindas, certamente, das profundezas da floresta e deram muito trabalho até chegarem aqui.

A Amazônia é a maior floresta tropical do mundo. Tão grande que abrange oito países da América do Sul – Bolívia, Brasil, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname e Venezuela – e ainda a Guiana Francesa, região ultramarina da França. Ela ocupa grande parte do território brasileiro e é um repositório de vida tão colossal que se estima acolher 10% de todas as espécies conhecidas no mundo.

A castanheira é uma rainha da floresta. Majestosa, de tronco firme e poderoso que, de tão alta, parece alcançar o céu, e os galhos se abrem na parte superior, lá por cima da floresta.

Uma das árvores mais altas da Amazônia, pode alcançar até 50 metros de altura. Sim, tudo isso, como um prédio de 16 andares. E pode viver 500 anos. Quem sabe se algumas castanheiras que eu vi na Amazônia eram mudinhas quando Pedro Álvares Cabral estava chegando ao Brasil. 

Ameaçada de extinção, a árvore precisa de floresta muito bem conservada para se reproduzir, e muitos castanhais deixaram de existir por causa de desmatamentos e queimadas. A castanheira é hoje protegida, mas as castanhas – para nossa sorte! – podem ser aproveitadas.

Em fevereiro, boa parte da população da Reserva Extrativista Cazumbá-Iracema, no Acre, some na mata para catar a castanhaSua colheita se dá também em outras comunidades e reservas. São meses de muito trabalho. 

A atividade traz maior renda para os moradores da reserva e é a mais importante do ano – reservas florestais extrativistas são extensas áreas protegidas, onde os moradores podem fazer a coleta de frutos. A economia, que inclui pesca e artesanato, é baseada sobretudo na preservação da rica floresta. Nesta reserva, no município Sena Madureirahá também muitas seringueiras e açaí.

 

    

Colheita manual dos frutos. (Fotos: Yana Marull). 

 

A castanheira produz um fruto, mais ou menos do tamanho de um coco, conhecido como ouriço, de casca extremamente dura, que pode pesar de meio a um quilo e meio, e contém entre dez e 25 sementes ou amêndoas ou castanhas, que além de deliciosas, são muito nutritivas e consideradas uma das proteínas vegetais mais completas. 

A colheita é manual e muito trabalhosa. Os moradores passam dias e dias percorrendo quilômetros de trilhas nas matas, na chuva, na lama e no sol, para coletar os ouriços caídos das castanheiras, abrindo o caminho a facão, evitando cobras, atravessando córregos e carregando quilos e mais quilos de castanha a serem um dia apreciadas bem longe da floresta. 

As castanheiras não ficam todas juntas, é uma aqui, outra lá. Então é preciso conhecer onde elas estão na grande floresta, estabelecer percursos, ir coletando os ouriços e os juntando. Para abri-los, são colocados em uma mão e, com o facão na outra, com muita força e precisão, quebram-no para retirar as castanhas e colocá-las em sacas que precisam seguir rumo à cidade. São grandes distâncias na floresta e ainda depois pelo rio. 

Na Reserva Extrativista Cazumb-Iracema, há estrada até uma parte, aberta apenas durante alguns  meses por ano, a depender das chuvas. No ano passado, quando estive lá, a estrada não abriu. A comunidade inteira se ocupou da fabricação de duas canoas grandes o suficiente para suportar o peso das sacas de castanha até a cidade. Foi uma corrida contra o tempo. 

Então, quando você estiver bem longe da floresta, em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Europa ou em qualquer outro lugar do mundo, e for convidado a saborear umas deliciosas castanhas-da-amazônia, pense em todo o trabalho e também nas muitas pessoas que vivem da castanha e protegem a maior floresta tropical do planeta. 

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Yana Marull

Autora e ilustradora de livros para crianças e jovens e, por duas décadas, correspondente internacional na América do Sul, especializou-se em meio ambiente, experiência levada aos livros, disponíveis em seis línguas. Espanhola-alemã naturalizada brasileira, atualmente residente em Berlim.