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ENSINO DE PORTUGUÊS NO EXTERIOR RECEBE APOIO DO ITAMARATY

16/05/2020 Camila Lira POLH/PLH

Capa e contracapa do Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança. (Fonte: download gratuito).

 

Em entrevista, Ana Souza fala à Camila Lira sobre a grande conquista que o recém-lançado Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança representa para as comunidades brasileiras fora do país. 

Se abril de 2020 foi um mês complicado por causa da pandemia do Covid-19, ainda bem que uma boa notícia veio agraciar o mundo do ensino do Português como Língua de Herança (POLH): o Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança. Parte da coleção Propostas Curriculares para o Ensino de Português no Exterior, a publicação é uma iniciativa do Ministério das Relações Exteriores, mais conhecido como Itamaraty, realizada pela Fundação Alexandre de Gusmão (FUNAG). 

Língua de herança é o termo para designar a língua aprendida em casa ou na comunidade de conterrâneos formada em um país estrangeiro. São crianças brasileiras que emigram ou aquelas que já nascem no exterior e, por isto, mantêm uma relação afetiva e cultural com a língua dos pais. A depender das circunstâncias de seu aprendizado – exposição à língua, contexto social e até mesmo aptidão individual –, cada qual pode apresentar diferentes graus de habilidades no traquejo da língua de herança.

Sendo maio o mês em que se celebra a língua portuguesa, temos, aqui, uma entrevista com a pesquisadora Ana Souza, a responsável pela elaboração do Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança, projeto coordenado pelo professor Nelson Viana, membro da Comissão Nacional do Brasil para o Instituto Internacional da Língua Portuguesa.

O POLH – como denominamos o Português como Língua de Herança – é decorrente do fluxo migratório de brasileiros em direção ao exterior, como diz Ana Souza, ao destacar a perspectiva de Nelson Viana de que a elaboração de uma obra de tal porte resulta do empenho de associações, conselhos, grupos, instituições, pais e professores para o desenvolvimento de expressivo e construtivo trabalho em inúmeros países, assim como um reconhecimento da peculiaridade e desafios próprios à sistematização neste domínio e a relevância da difusão do idioma junto aos brasileiros emigrados, dada a importância da manutenção dos laços de identidade com o país, sua língua e cultura. Este guia, portanto, é um marco para um movimento que começou nas comunidades brasileiras no exterior e ganhou estatura dentro das políticas linguísticas do Estado brasileiro.

 

IV Simpósio Europeu de Português como Língua de Herança (IV SEPOLH - Itália/2019) - Ana Souza (dir.) e Camila Lira (esq.). (Foto: Fernanda Krüger).

 

Camila Lira – Nossa entrevistada tem sido referência para o ensino do português brasileiro no exterior e é PhD em Sociolinguística pela Universidade de Southhampton (Inglaterra). Há anos, ela se debruça sobre Bilinguismo, Planejamento Linguístico, Língua e Identidade, Escolas de Línguas Comunitárias, Migração Brasileira e o Ensino de Português como Língua de Herança. Seus artigos e livros têm servido de modelo para outros acadêmicos, professores e pais, e seu nome está também associado à criação do Simpósio Europeu sobre o Ensino do Português como Língua de Herança (SEPOLH). 

Primeiramente, bem-vinda ao BRmais, e parabéns pela elaboração do Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança.

Ana Souza – Obrigada. Realmente, a coleção Propostas Curriculares para Ensino de Português no Exterior, comissionada pelo Ministério das Relações Exteriores e coordenada pelo professor Nelson Viana, resulta de um processo muito complexo. Eu tive a honra de elaborar o conteúdo para o Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança. Também fico lisonjeada pelo interesse do BRmais em fazer esta entrevista. Afinal, é uma grande oportunidade para reforçar pontos importantes que constam no material publicado.

 

CL – Você poderia nos dizer por que ou de onde surgiram os guias de português do Ministério das Relações Exteriores? 

AS –  Como explicado na apresentação da coleção Propostas Curriculares para Ensino de Português no Exterior, o Ministério das Relações Exteriores visa a preencher uma lacuna metodológica e a harmonizar o conteúdo dos cursos de português oferecidos pelos centros culturais e núcleos de estudos do Itamaraty no exterior. Espera-se que a coleção contribua para aperfeiçoar a diplomacia cultural e educacional brasileira e para a maior difusão de nossa língua pelo mundo. 

 

CL – No site da Fundação Alexandre de Gusmão, encontramos também outros guias. Eles são, de certo modo, uma forma de universalizar o ensino do português brasileiro no mundo. Você considera que estes guias tenham uma unidade sequencial? Como seria, então, esta unidade? 

AS – Os primeiros volumes da coleção Propostas Curriculares para Ensino de Português no Exterior incluem propostas para a formulação de cursos de: português como língua estrangeira para países de língua oficial espanhola; português como língua intercultural para países de língua oficial portuguesa; literatura para o ensino de português; português para praticantes de capoeira; e português como língua de herança.

Estas cinco propostas, conforme consta na apresentação da coleção, levaram em conta as exiguidades de sua rede de postos. Assim, elas foram desenvolvidas tendo em mente contextos específicos. No caso do Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança, o contexto europeu serviu de base para sua elaboração. Entretanto, como ressaltado na mesma apresentação, educadores, pesquisadores e alunos de quaisquer instituições podem ser contemplados por este esforço inaugural de análise e estudo como parâmetro para a expansão de sua práxis de ensino e pesquisa.

Capas Propostas Curriculares Itamaraty para o Ensino de Português no Exterior. (Fonte: reprodução/ divulgação Biblioteca Digital FUNAG).

 

CL – Como se deu a elaboração deste guia? Você se baseou em algum outro em específico?

AS – O Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança, como explicado em sua introdução, é o resultado da pesquisa a documentos a respeito do ensino de línguas na Europa, particularmente ao Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (QECR), ao Quadro de Referência para o Ensino de Língua e Cultura de Herança (do alemão, RLP-HSK) da Suíça, e ao Quadro de Referência para o Ensino Português no Estrangeiro (QuaREPE), utilizado em Portugal.  

A utilidade dessas publicações é reconhecida e valorizada no Guia Curricular, que integra e sintetiza seus conteúdos, e, desta maneira, apresenta uma lista de temas transversais, de pontos gramaticais, de itens lexicais e tipos de texto que podem ser usados como ponto de partida para o planejamento de aulas para cinco níveis diferentes. Houve, também, uma preocupação em apresentar os descritores de níveis de maneira prática. 

Consequentemente, componentes de conhecimento específico, assim com exemplos e comentários práticos, foram apresentados para cada uma das habilidades linguísticas (isto é, compreensão oral, compreensão escrita, expressão oral e expressão escrita) para cada um dos níveis curriculares. Em outras palavras, o Guia Curricular visa a ser útil tanto para instituições e educadores que iniciam suas atividades na área de POLH quanto para as que já atuam na área.

 

CL – Por que guia e não currículo? 

AS – Como discutido por Souza e Vizentini no livro Português como Língua de Herança – uma disciplina que se estabelece*, a palavra ‘currículo’ tende a estar ligada a uma perspectiva limitada de documento que apresenta instruções a serem seguidas. Por sua vez, ‘guia curricular’ adota uma perspectiva mais abrangente onde programas educacionais são desenvolvidos como parte de um constante procedimento de observação e análise. Em outras palavras, ‘guia curricular’ reforça que instituições, diretores, coordenadores e professores possuem liberdade para fazerem escolhas que melhor se adequem a seus contextos de ensino. 

*Souza, A.; Vizentini, M. Refletindo sobre currículo: o POLH hoje e amanhã. In: A. Souza; M. L. Ortiz Alvarez (Orgs.) Português como Língua de Herança – uma disciplina que se estabelece. Campinas, Brasil: Pontes, 2020 (prelo). 

 

CL – Este guia deve ser seguido por todos os que trabalham com POLH, sem considerar as especificidades de contexto, língua, país, ensino formal e informal?  

AS – Esta pergunta está relacionada à anterior. Então, apenas destaco dois trechos do Guia Curricular que reforçam as ideias apresentadas nas páginas 10 e 18: “Por seu caráter de proposta, enfatizamos sua natureza não prescritiva, como aparece na introdução deste Guia, e sua possibilidade de adaptação para atender objetivos e especificidades inerentes a distintos contextos, de distintas regiões e países um documento orientador, que possa nortear ações pedagógicas” e “seu conteúdo poderá ser usado de maneira flexível pelas diversas instituições em relação à sequência e ao ritmo adotado para o processo de ensino-aprendizagem”.

A possibilidade de adequação a especificidades dos variados contextos do ensino do POLH é também ressaltada ao longo do guia.

 

CL – Você teria uma sugestão de como trabalhar um tema de algum nível para deixar como dica?  

AS – Acho melhor direcionar os leitores desta entrevista para a seção 2.2 do Guia Curricular para o Ensino de Português como Língua de Herança.  Intitulada ‘Como usar o Guia’, que vai da página 25 a 27, ela apresenta seis passos que podem ser seguidos para o planejamento de aulas usando um tema específico. Há inclusive um quadro que pode ser adotado como registro de planejamento. Aproveito para também sugerir que acessem o Volume 6 do Dicas Abrir, onde é possível encontrar outras sugestões para planejamento de cursos e aulas. 

* * * * *  

Não posso terminar esta entrevista sem antes dizer da minha leitura do Guia Curricular para o Ensino do Português como Língua de Herança: muito prático e de fácil entendimento, acredito que vai ajudar a todos nós na elaboração de nossos cursos de POLH e na nossa prática pedagógica. A versão em PDF está disponível para download gratuito. 

  

OUTRAS REFERÊNCIAS:

 

Melo-Pfeifer, S. Português como língua de herança. Domínios da Lingu@gem, v. 12, n. 2, p. 1161-1179, 2018.

Van Deusen-Scholl, N. Towards a Definition of Heritage Language: Sociopolitical and Pedagogical Considerations. Journal of Language, Identity, and Education, 2(3), 211-230, 2003.

 

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Camila Lira

Professora de português na Universidade Técnica de Munique e na Ludwig-Maximilians-Universität München. Pesquisadora sobre o Português como Língua de Herança (POLH), fez doutorado sobre o tema na Europa-Universität Viadrina/Universidade Federal Fluminense.