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Entrevista com Adriana Jacobsen

30/11/2017 Fernanda Krüger Cinema e Teatro

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ENTREVISTA com ADRIANA JACOBSEN: "Outro Sertão", um documentário brasileiro revelando aspectos desconhecidos e surpreendentes sobre a biografia de João Guimarães Rosa. 

Conhecido como um dos grandes nomes da literatura brasileira, Guimarães Rosa também exerceu o papel de vice-cônsul na Alemanha entre 1938-1942.

Durante mais de cinco anos, Adriana Jacobsen (realizadora audiovisual e pesquisadora)  e Soraia Vilela (jornalista e tradutora) pesquisaram, em quatro países, dados sobre a relação de Guimarães Rosa com a cultura alemã e o seu papel como diplomata, em Hamburgo. 

Vencedor da categoria Prêmio do Público - Melhor Documentário Brasileiro, na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo, o filme está dividido em capítulos, revelando passagens históricas inéditas e de alta relevância deste brasileiro, que foi o único escritor latino-americano a viver na Alemanha, no auge do nazismo. Terá essa experiência influenciado sua obra posterior?

Confira, a seguir, a entrevista concedida por Adriana Jacobsen.

 
Fernanda Krüger - Como surgiu a ideia de produzir esse documentário?
 
Adriana Jacobsen - A codiretora e eu éramos colegas de trabalho na rede pública de rádio e televisão internacional Deutsche Welle, em Berlim. Em uma conversa, surgiu o assunto da passagem de Guimarães Rosa pela Alemanha. Havia pouquíssima informação. Nos demos conta que ele tinha sido vice-cônsul, em Hamburgo, em pleno período nazista, e resolvemos pesquisar. 
 
Outra questão que nos moveu foi mostrar um olhar estrangeiro sobre a Alemanha, o de Guimarães Rosa, que viveu em Hamburgo, entre 1938 e 1942, no auge do nazismo. Foi sua primeira viagem para fora do Brasil. São as impressões de um recém-chegado, que já compreende o idioma. Ele estudou alemão no colégio. É um retrato raro, feito por um coletor, um colecionador, que deixou, em cartas e diários, impressões do cotidiano.
 
 
FK -  Por mais de cinco anos, pesquisas foram realizadas na Alemanha, Brasil, Israel e Portugal para a produção deste material. Algum acontecimento marcante ou surpreendente durante esse período?
 
AJ - Fizemos uma primeira varredura em dezenas de arquivos, principalmente na Alemanha e no Brasil, em busca de vestígios da estada de Guimarães Rosa em Hamburgo. Foi um processo lento, seguimos várias pistas. Cada vez que encontrávamos um vestígio, aprofundávamos a busca, como em uma prospecção. 
 
Me lembro do espanto ao manusear os arquivos da Gestapo, que incluíam relatos de um espião sobre o vice-cônsul João Guimarães Rosa. Uma outra pista nos levou a Hamburgo, ao encontro dos personagens do conto “O mau humor de Wotan”. Eles não conheciam o relato sobre sua história, nem sabiam que o vice-cônsul de então havia se tornado um grande escritor no Brasil. Organizamos a tradução do conto para o alemão e entregamos o relato literário aos personagens reais. 
 
Descobrimos praticamente a única imagem em movimento existente de Guimarães Rosa, uma entrevista em que ele discorre sobre sua literatura para um crítico alemão. Se passaram alguns meses até que, finalmente, conseguimos a cópia. Imaginava que seria, na melhor possibilidade, uma notícia sobre ele, uma matéria com algumas fotos, citações. De repente, aparece Guimarães Rosa, sentado em um estúdio, bem iluminado, em bom som, a discorrer sobre a história de Grande Sertão: Veredas. Não havia mais dúvida que devíamos fazer um documentário.
 
 
FK -  Outro Sertão já foi exibido em diferentes cidades do Brasil e em outros países. Alguma previsão de exibição em cinemas ou disponibilização em vídeos?
 
AJ - O filme tem sido exibido regularmente em um circuito não comercial. O interesse é constante. Em 2018, o filme entra na programação de uma TV, no Brasil. Vamos atingir um público maior. Temos uma boa perspectiva de distribuição internacional. Legendamos em português, alemão, inglês, espanhol e francês. Vamos continuar a exibir em mostras, encontros e afins, onde houver um público interessado. As sessões costumam ficar cheias. 


FK - Qual tem sido a reação do público no Brasil e na Alemanha?
 
AJ - O Outro Sertão ganhou o categoria Prêmio do Público - Melhor Documentário Brasileiro na 43ª Mostra Internacional de Cinema de São Paulo. No Brasil, o público e mesmo os estudiosos do escritor se espantam com a quantidade de novas informações sobre esse período na biografia de Guimarães Rosa. Era uma lacuna biográfica que buscamos preencher. O filme teve um trabalho inspirado e cuidadoso de montagem, trilha, e grafismo. Foi uma sorte termos juntado essa equipe. A nossa ideia desde o início do projeto era evitar o lugar-comum, como o escritor insistia em alertar seus tradutores.
 
Em Berlim, o filme estreou em uma mostra de documentários de arquivo e arte, no Museu Histórico Alemão. Há, na Alemanha, um circuito acadêmico especializado em Guimarães Rosa; fora desse circuito, ele é praticamente desconhecido. A boa notícia é que há uma previsão de lançamento da nova tradução de Grande Sertão: Veredas para o alemão. Vai haver uma nova recepção. 
 
O filme é dividido em capítulos. Um deles trata da relação diplomática entre o Brasil e a Alemanha nazista e da emigração dos refugiados judeus com vistos emitidos pelo Consulado do Brasil em Hamburgo. Foi um trabalho de detetive: colhemos testemunhos, conversamos com historiadores, analisamos anos de correspondência consular para chegarmos ao resultado. Não buscávamos um herói, mas examinar como ele agiu, em qual contexto. Quando começamos a pesquisa, havia uma ou outra menção à ajuda prestada aos refugiados judeus por Guimarães Rosa e por sua segunda esposa, Aracy de Carvalho. A Aracy já tinha sido agraciada pelo Estado de Israel com o título de "Justa entre as Nações", por ajudar muitos judeus a entrarem no Brasil no governo de Getúlio Vargas. Analisamos esse processo de reconhecimento e partimos em busca de testemunhos e documentos. Acabamos reunindo um acervo consistente sobre o assunto. Isso tudo é novo para o público alemão. 
 
É um relato raro para a Alemanha. Guimarães Rosa escreveu um diário enquanto esteve em Hamburgo. São fragmentos, impressões do cotidiano alemão, que serviram de base para nossa pesquisa de imagens e sons de arquivo. Os fragmentos diários nos permitiram reconstituir um ambiente preciso e complexo. Escolhemos o olhar particular, com imagens de arquivo de amadores, alheias à estética oficial nazista. Para os alemães, creio que é curioso ver a própria história através de um olhar de fora, de uma outra perspectiva.
 

FK - Planos de novas produções sobre outros grandes destaques do Brasil?
 
AJ - Temos projetos paralelos de produção de documentários, mas continuamos trabalhando em equipe para criar uma plataforma digital com o acervo que reunimos durante a pesquisa do Outro Sertão. É importante publicar o que coletamos para auxiliar pesquisas futuras.
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Material de divulgação do documentário. Fonte: imagens cedidas por Adriana Jacobsen e Soraia Vilela. 
 
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Fernanda Krüger

Idealizadora e fundadora do br+ Foco no lado positivo do Brasil!© e da iniciativa pioneira BRmais e o Português como Língua de Herança no Ensino Globalizado©. É também cofundadora do programa de leitura em língua portuguesa Encontros de Leitura/ Portugiesischer Vorlesetreff, na Biblioteca Infantojuvenil de Frankfurt e criadora do selo editorial Papagaios pelo Mundo®. Especialista em LIJ pela UCAM.