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O ESTURRO DA ONÇA

10/08/2020 Yana Marull Meio Ambiente e Sustentabilidade

Você saberia dizer o que o leão, o tigre, o leopardo e a onça-pintada têm em comum? Mesmo que morem em continentes diferentes e bem distantes na Terra, eles pertencem ao mesmo gênero do mundo animal, a Panthera. São os felinos mais poderosos do mundo, identificados pelo rugido profundo que consegue parar uma floresta.  Esturro talvez não seja uma palavra muito comum, mas ela é deliciosamente específica para se referir a esse rugido inconfundível: o esturro da onça. 

De nome científico Panthera-onca, a onça-pintada é o maior felino das Américas, a rainha das florestas sul-americanas, admirada pelas culturas milenares, parte das lendas mais antigas que herdamos.

Seu corpo é extremamente forte e musculoso e – imagine! – pode pesar até 150 quilos, algo assim como seis crianças de oito anos. Ao mesmo tempo, ela é surpreendentemente ágil, rápida, e seus movimentos são de uma elegância ímpar. Com mais de dois metros de comprimento, é capaz de subir nas árvores mais altas e nadar e pescar nas profundezas do rio como o mais esperto peixinho. 

Eu adoro um passeio de lancha pelo Pantanal, de olho na beira do rio para ver se consigo ver uma delas indo para a água ou descansando na sombrinha ao calor do dia. Precisa de um olho muito treinado para ver uma onça na natureza: mesmo com uma cor tão viva, esse amarelo vibrante, elas ficam totalmente integradas ao ambiente, e é bem difícil distingui-las no meio das folhagens.

 

Onça-pintada. Local: NEX, Cerrado do Brasil. (Foto: Yana Marull).

 

Existe uma variante ainda mais difícil de encontrar: a onça-preta. Ela é igualzinha a qualquer onça-pintada, só que uma caraterística na pelagem faz com que pareça completamente preta. Se você conseguisse se aproximar, perceberia que ela tem as mesmas manchas que a onça-pintada amarela.

Onça-preta, no Cerrado do Brasil. (Foto: câmeras dos biólogos do NEX e Brasília é o Bicho).

O tigre e o leão ganham da onça-pintada em peso e tamanho, mas ela é a que tem a mordida mais forte: uma mandíbula treinada para quebrar o osso mais resistente de uma apertada só. A força dela é tanta que pode derrubar até o jacaré!

Mesmo sendo uma feroz caçadora, ela é uma mãe muito dedicada que cuida dos filhotes, dia e noite, com total dedicação pelos dois primeiros anos de vida deles. Os pequenos aprendem com ela tudo o que precisarão para sobreviver na natureza.

Quando o filhote de onça perde a mãe ou é retirado da floresta antes dos dois anos, dificilmente conseguirá um dia sobreviver livre. Eu conheci algumas dessas onças que foram brutalmente retiradas da natureza: a mãe foi morta pelo caçador e o filhote levado para casa, como se fosse um animal de estimação. Gatinhos e cachorrinhos se acostumam com os humanos. As onças não, nunca se acostumarão, pois são animais selvagens, o instinto sempre acaba dominando-as. Se elas são retiradas pequenas da floresta, nunca conseguem se adaptar a ela de novo.

Há onça-pintada em quase todos os países das Américas, e no Brasil ela mora em quase todos os biomas, mas está ameaçada de extinção. É especialmente delicada sua situação no Cerrado e na Mata Atlântica: o desmatamento e o avanço dos humanos sobre a natureza dificulta cada vez mais que encontrem os grandes territórios de floresta bem preservada que elas precisam. 

Você sabe, as grandes florestas do planeta, como a Amazônia, o Cerrado, a Mata Atlântica e o bioma Pantanal são essenciais para a terra e para todos nós, mesmo morando longe: na luta contra a mudança do clima e também na distribuição das chuvas e da água que é tão básica para nossa sobrevivência. E as onças são essenciais à preservação dessas florestas. Não é à toa que levam o nome de rainhas.

Como topo da cadeia alimentar, elas conseguem manter o equilíbrio de bichos e plantas que uma floresta precisa. Um exemplo: sem elas, os herbívoros como capivaras ou cervos não parariam de aumentar e acabariam com as plantas que precisam para se alimentar. Por isso que a natureza é sabia!

Escrevo e ilustro livros para crianças sobre as florestas, a natureza, os bichos e os biomas da América do Sul, baseados em pesquisas. E não podia faltar a onça-pintada.

A protagonista do meu livro A Última Onça do Cerrado é uma onça selvagem real, que eu conheci há sete anos. Ela vive livre no Cerrado e, sem ela saber, tem entregado informações muito valiosas sobre seus hábitos, o território que ocupa, sobre suas necessidades de floresta, que podem ajudar muito a se conhecer e preservar as onças no Cerrado e no Brasil. Eu não desgrudo dela: sempre tento estar em dia com as pesquisas e novidades sobre ela!

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Visitei algumas vezes o Pantanal, mas foram especialmente intensos e frutíferos os dias que acompanhei os pesquisadores da ONG Bichos do Pantanal para fazer um cadastro da vida selvagem local e na elaboração do guia "Conhecer para Preservar", sobre a fauna pantaneira.

Existe um santuário no Cerrado de Goiás, o Instituto NEX, que acolhe essas onças e tenta dar a elas um lugar adequado com muita natureza. Aprendi muito sobre as onças com seus dedicados proprietários, cuidadores e pesquisadores! Das que lá vivem protegidas e das que eles pesquisam livres na natureza, como o Xangô, que inspirou meu livro "A Última Onça do Cerrado" (Terra Books, 2018).

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Yana Marull

Autora e ilustradora de livros para crianças e jovens e, por duas décadas, correspondente internacional na América do Sul, especializou-se em meio ambiente, experiência levada aos livros, disponíveis em seis línguas. Espanhola-alemã naturalizada brasileira, atualmente residente em Berlim.