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VIGILÂNCIA SANITÁRIA PROTEGE A SAÚDE DOS BRASILEIROS

22/04/2021 Sonia Marinho Saúde

No domingo, 17 de janeiro de 2021, o Brasil parou para assistir a um insípido programa na TV, mas que atraiu mais interesse que final de Copa do Mundo. Tratava-se da 1ª Reunião Extraordinária Pública da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), com transmissão ao vivo pela televisão e pelo canal da agência no YouTube. Em pauta, a autorização para o uso emergencial das vacinas Covishield, produzida pela Universidade de Oxford, com a empresa anglo-sueca AstraZeneca, em convênio com a Fiocruz; e a Coronavac, da empresa chinesa Sinovac, em parceria com o Instituto Butantan. 

Finalizada a reunião e com a autorização emergencial da Anvisa para o uso de ambas, aconteceu, em São Paulo, a vacinação da enfermeira Mônica Calazans com a vacina do Butantan. Apesar da midiatização do evento, muitos brasileiros ainda desconhecem o que faz a Anvisa e o que a torna tão importante à saúde dos brasileiros, além de autorizar o uso de vacinas.

 

VIGILÂNCIA DOS RISCOS À SAÚDE DA POPULAÇÃO

Para explicar o que faz a Anvisa, é preciso entender o que significa vigilância sanitária na sociedade moderna. Utilizado em saúde pública, o termo designa diversas modalidades de se “vigiar a saúde” da população, com a finalidade de mantê-la saudável. 

No próprio site, a Anvisa diz que a vigilância sanitária “engloba um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde e de intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde, abrangendo o controle de bens de consumo que, direta ou indiretamente, se relacionem com a saúde, compreendidas todas as etapas e processos, da produção ao consumo; e o controle da prestação de serviços que se relacionam direta ou indiretamente com a saúde”.

A primeira parte do enunciado diz que vigilância sanitária engloba “um conjunto de ações capaz de eliminar, diminuir ou prevenir riscos à saúde”. Risco é um conceito central e caro à área de vigilância sanitária. De acordo com Beck (2010), o risco é um fenômeno social complexo, e que vem ganhando uma grande importância e amplitude na sociedade moderna, de tal forma que podemos chamá-la de “sociedade do risco” . O termo risco abrange significados variados. No campo da saúde, especialmente na Epidemiologia, corresponde a uma probabilidade de ocorrência de um evento, em um determinado período de observação, em população exposta a determinado fator de risco, como o de ser infectado pelo novo coronavírus.

A forma de prevenir os riscos de transmissão e contágio de uma doença é tarefa para a vigilância epidemiológica, subárea da vigilância sanitária. Cada enfermidade possui um risco associado de adoecer (morbidade) e de morrer (mortalidade). Assim, o risco de morbidade e de mortalidade da dengue é diferente da covid-19, pois os modos de transmissão de ambas são diferentes: a primeira é transmitida pelo mosquito Aedes Aegypt, o mesmo da febre amarela, e a segunda por gotículas de saliva ou aerossóis, expelidos durante a fala e/ou respiração. No caso da dengue, para prevenir o risco de contágio, fazer campanhas de eliminação do mosquito nas residências é eficaz, já para a covid-19, usar máscaras de proteção, tapando boca e nariz, é a prevenção adotada.

Neste sentido, a Anvisa cumpre o papel de articular as medidas de prevenção de risco de infecção por coronavírus. A agência tem publicado várias notas técnicas para a área de serviços de saúde, alertando para os riscos envolvidos na assistência em saúde aos doentes e propondo medidas de prevenção de infecção em postos de saúde, em centros cirúrgicos, em lares de idosos. A agência também publicou lista com critérios para uso de Equipamentos de Proteção Individuais (EPI), como as máscaras faciais. Todas as informações estão disponíveis no portal da Anvisa na internet.

Medidas para a prevenção do risco de infecção por coronavírus.  Fonte: SES-MG, baseada em folder da Anvisa.

 

A segunda parte do conceito de vigilância sanitária, anteriormente citado, prevê que, além de prevenir os riscos à saúde, a vigilância sanitária deve “intervir nos problemas sanitários decorrentes do meio ambiente, da produção e circulação de bens e da prestação de serviços de interesse da saúde”.

Essa abrangência das ações de intervenção deriva do conceito de “risco potencial”, de grande relevância na área de vigilância sanitária, que é essencialmente preventiva, pois diz respeito à possibilidade de ocorrência de evento, que poderá ser prejudicial à saúde da população. Ou seja, refere-se à possibilidade de algo – produto, processo, serviço, ambiente – causar direta ou indiretamente danos à saúde. 

Assim, a vigilância sanitária é uma política pública essencial para garantir a saúde dos consumidores nas sociedades modernas, industrializadas. Por intervir nas atividades econômicas, visando à proteção da saúde, as ações de vigilância sanitária têm natureza regulatória, com indicação de regras de boas práticas a serem seguidas pela indústria produtora dos bens de consumo, a fim de mitigar algum risco potencial à saúde da população.  

O risco potencial de uma substância ou produto nos remete a Paracelsus, médico suíço-alemão do século 16, que dizia “Dosis sola facit venenum” – “a diferença entre o remédio e o veneno é a dose”. No caso da fabricação de medicamentos, existe uma tênue linha que separa o remédio do veneno, pois a substância usada na dose errada ou para a doença errada, não só não ajuda a recuperação do doente, como pode lhe fazer mal, levando-o a óbito. Saber a dosagem de uma substância que não apresenta risco, além de definir para qual problema de saúde deve ser usada, é essencial à saúde, papel exercido pela Anvisa. 

Reportagem sobre vítimas da Talidomida.  Fonte: The Sunday Times, 24/9/1972.

 

Exemplo emblemático de como o estudo da toxicologia é primordial na vigilância sanitária, é o caso da talidomida, substância para náusea durante a gestação. Em 1960, apesar do forte lobby da empresa farmacêutica Merrel, representante americana da alemã Chemie Grunenthal, a talidomida teve sua comercialização proibida nos EUA, pela Food and Drug Administration (FDA), agência reguladora de vigilância sanitária de remédios e alimentos dos EUA. 

Frances Kelsey, farmacologista da FDA, ao analisar o pedido de registro da talidomida, não ficou satisfeita com as evidências apresentadas sobre a segurança da droga em gestantes e deu um parecer proibindo o uso da substância. Posteriormente, confirmou-se a suspeita da Dra. Kelsey:  a talidomida causava efeitos teratogênicos nos fetos em formação, causando danos graves, especialmente malformação dos membros superiores ou inferiores. OS EUA foram poupados, mas a tragédia da talidomida atingiu famílias em mais de 45 países, inclusive no Brasil, onde ainda não existia a Anvisa. No mundo inteiro, calcula-se que 10 mil crianças nasceram sem braços ou sem pernas, sendo que várias gestações terminaram em abortos.

 

ANVISA, A AGÊNCIA REGULADORA QUE CUIDA DA NOSSA SAÚDE

No fim do século 20, algumas tragédias sanitárias marcaram igualmente a história da saúde pública no Brasil e justificaram a criação de uma agência, que regulasse a vigilância sanitária no país. Por ordem de ocorrência, podemos citar:

1. Na década de 1980, pessoas com hemofilia foram infectadas com o vírus da aids, evidenciando negligências no controle dos bancos de sangue;

2. Em 1987, catadores de sucatas foram contaminados com césio-137, proveniente de aparelhos de radioterapia abandonados em Goiânia (GO);

3. Em 1996, 71 pacientes renais morreram, ao fazer hemodiálise com água contaminada com cianobactéria na cidade de Caruaru (PE);

4. Medicamento falsificado: é o caso emblemático que ocorreu com a empresa Shering, que vendeu “pílula de farinha”, no lugar do anticoncepcional Microvlar, levando várias mulheres a terem uma gravidez indesejada.

 

A soma de todos esses problemas sanitários revelou a necessidade de ser criada uma agência federal, que se ocupasse da vigilância sanitária dos riscos potenciais à saúde da população brasileira. Assim, em janeiro de 1999, foi promulgada a Lei 9782, criando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). A vigilância sanitária, como concebida pelo Governo Federal, privilegiou duas grandes áreas de atuação: medicamentos e alimentos, nos moldes da Food and Drug Administration (FDA), dos EUA.  

A vigilância sanitária, tal como foi instituída no Brasil, abrange a regulação de uma extensa gama de produtos e serviços, de natureza diversa, agrupados nos grandes ramos: alimentos; medicamentos; produtos biológicos (vacinas e derivados de sangue); produtos médicos, odontológicos, hospitalares e laboratoriais; saneantes e desinfetantes; produtos de higiene pessoal, como perfumes e cosméticos; além do controle sanitário dos portos, aeroportos e estações de fronteiras e da ampla variedade de serviços de interesse da saúde.

 

No seu portal na internet, a Anvisa apresenta o quadro de vacinas contra a covid-19, discriminando as fases em que se encontram cada uma delas :

1. Vacinas com registro definitivo: vacina Covishield da Astrazeneca/Fiocruz e a vacina da Pfizer;

2. Vacinas para o uso emergencial: vacina Coronavac do Butantan, vacina Covishield da Fiocruz; e vacina da Janssen;

3. Vacina em análise para o uso emergencial: Sputnik, produzida pela Rússia;

4. Vacina rejeitada, por problemas encontrados na fábrica, na Índia: Covaxin.

 

Desse modo, a Anvisa, além de suas relevantes funções, cumpre, neste momento, o papel fundamental ao estabelecer regras para implementação de ações de vigilância sanitária para o controle da pandemia pelo novo coronavírus: controle do uso de equipamentos de proteção individual (EPI), tais como máscara facial e aventais; produtos saneantes, como o álcool em gel.

 

A SEQUÊNCIA DOS TEXTOS SOBRE ESSA TEMÁTICA: 

1 - Graças ao SUS, brasileiros recebem cuidados integrais e gratuitos em saúde 

2 - Há 120 anos, o Instituto Butantan serve à saúde pública, no Brasil e no mundo 

3 - Fiocruz, Ciência e Inovação em Saúde

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Sonia Marinho

Doutora em Bioética e Saúde Coletiva pela ENSP/FIOCRUZ, tem mestrado em Nutrição Humana (UFRJ), especialização em Atenção Primária em Saúde (Hospital Charité, Berlim, Alemanha) e graduação em Nutrição (UERJ). Trabalha com projetos de Atenção Primária em Saúde na Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), tendo sido nutricionista sanitarista da Médicos Sem Fronteiras, em Moçambique e Brasil.